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Poesias do rigor: as metáforas da ciência

Ana Cecília Aragão Gomes

“O pensamento é a metáfora do real”.

Raúl Domingo Motta

 

 

          Ao utilizar metáforas abre-se o texto e a mente para que fluam falas que melhor comuniquem os conteúdos o pensamento e espertem a emoção capaz de induzir e fundamentar uma comunicação do sentimento, alargando a compreensão dos fenômenos e processo do mundo. Porém, é necessário, também, que sejamos cautelosos no uso desses operadores cognitivos, pois, ao mesmo tempo em que podem alargar as interpretações e possibilitar maior compreensão, eles podem obscurecer as noções e ideias que se pretende transmitir.

         A ciência sempre fez, e continua a fazer, uso de metáforas, mesmo que clandestinamente, a fim de construir pontes entre o real e o imaginário, estimulando ou provocando novos modos de organização do conhecimento e do pensamento.

         É possível dizer que uma produção científica mais aberta supõe o acolhimento da metáfora como forma de reduzir distâncias entre os conceitos científicos e o público em geral. Isto possibilitaria uma maior compreensão e reorganização do pensamento e do conhecimento, ampliando significados homogêneos e unitários. Essa ciência aberta aos símiles, às analogias e às metáforas se constitui num recurso relevante para a divulgação científica, pois permite maior compreensão e um espaço dialógico solidário e respeitoso com outros saberes não dominados pelos códigos da ciência. Porém, é bom deixar claro que a má construção de uma metáfora acarreta o obscurantismo no texto e a incompreensão da noção, ideia ou teoria a ser transmitida.

          Percebe-se que, ao construir metáforas, fica difícil falar de forma fechada e conclusa. Esse recurso cognitivo abre possibilidades, brechas, fissuras, a fim de que surjam novas maneiras de ver, sentir e (re) pensar o mundo. A metáfora permite uma maneira de produzir conhecimento através de um espírito poético na ciência, já que a metáfora é translação, substituição do real pela imagem e situa-se no âmbito do conhecer e no interior das estruturas do pensar. Ela se torna importante porque exerce força e impulsiona a cultura e a vida, justamente porque seu objetivo não está na obtenção, a qualquer preço, da verdade, mas sim na valorização do que merece ser sabido. E isso é possível através de uma visão estética, de beleza e harmonia, de cultura e vida, pautada por uma ética que pede uma estética da alma, da vida.

          A construção de metáforas é uma operação fundamental no ser humano. Sendo a maior parte do nosso sistema conceitual de natureza metafórica, através dela, percebemos, pensamos e atuamos no mundo, além de ajudar a refletir sobre a cultura e sobre as estruturas de ações que executamos ao pensar, dialogar e escrever. A essência metafórica está no entendimento e experimento de um tipo de coisa em relação à outra, utilizando-se como base nossas vivências cotidianas.

         Para Edgar Morin, pensador francês contemporâneo, “a metáfora é com frequência um modo afetivo e concreto de expressão e de compreensão. Poetiza o cotidiano transportando para a trivialidade das coisas a imagem que surpreende, faz sorrir, comove ou mesmo maravilha. Faz navegar o espírito através das substâncias, atravessando as barreiras que encerram cada setor da realidade; ultrapassa as fronteiras do real e imaginário”.

         Esse modo afetivo permite novas formas de vermos e imaginarmos o mundo, transferindo fronteiras entre conceitos e ideias, a partir de um mundo imaginário para o real, das experiências cotidianas à ciência. Ultrapassa os limites do conceito e das explicações, possibilitando a invenção e a reorganização do pensamento.

          Geralmente, utilizamos as metáforas para referir, quantificar, identificar aspectos, estabelecer metas e motivações a algo que temos necessidade de explicar com base em nossas próprias ações e motivações, pois as metáforas de valores que estão arraigados nos processos culturais vividos.

          Seria importante que a ciência e a comunicação permanecessem turbulentas, de forma que não haja uma só certeza, uma só verdade, mas que esteja na relação, na interface dos da maior parte dos fenômenos. Talvez para se fazer ciência ou comunicação precisamos ser um pouco feiticeiros ou artistas, já que não seria possível assumir apenas uma rotina programável. Talvez devêssemos assumir o uso desses recursos imagéticos com maior frequência, a fim de produzir uma comunicação científica mais sugestiva, evocativa e afetiva que seja ferramenta cognitiva fundamental na construção de interpretações sobre o mundo.

 

Aqui estão outras leituras sobre o assunto:

REEVES, Hubert et al. A ciência e o imaginário. Brasília: Ed. UNB, 1994.

PESSIS-PARTERNAK, Guitta. A ciência: Deus ou Diabo? São Paulo: UNESP, 2001.

MOTTA, Raúl Domingo. Entre la metáfora y el silencio: analisis del encuentro entre la poesía, la ciencia y la filosofia en el siglo XX. In: Revista Complejidad, Buenos Aires, ano 2, n 5, 1999.

MORIN, Edgar. O método III: o conhecimento do conhecimento. Porto Alegre: Ed. Sulina, 2015.

Sobre a autora

Doutora em Comunicação e Semiótica, PUC-SP. Mestre em Ciências Sociais, UFRN. Especialista em Diulgação de Ciência, USP.  Jornalista de formação pela UFRN.

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